quinta-feira, julho 02, 2009

Os Lobos - Lembranças de António Marques

O Porta da Estrela entrevistou o Sr António Marques, quase a completar 100 Anos, sobre as filmagens d' "OS Lobos". Já passaram 86 anos, mas dificilmente esqueceria o reboliço vivido na pacata aldeia nessa altura.
“Então não me lembra! Se lembro! – diz António Marques"

Aqui fica a entrevista retirada do Jornal Porta da Estrela

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Porta da Estrela (PE): Sr. António, em finais de 1922 e inícios de 1923, em Valezim, andaram por aqui uns artistas a fazer um filme. Lembra-se de tal coisa e dos sítios onde filmaram?
(A.M.): Então não lembra! Foi lá cima no Carvalhal. Arrastavam daqui lá para cima as torgas secas e acendiam-nas lá no alto. Faziam um monte e deitavam o fogo para fazer fumo e carvão. (2) Era lá num “talegre” que lá havia.
Eles não carregavam nada às costas…
PE: Pois é. Vinham lá das capitais…
A.M.: Pois vinham. Eles traziam aquelas máquinas grandes, antigas…antigas …daquelas com trapézios (são tripés) que deitavam um pano por cima.
PE: E aqui em Valezim?
A.M.: Andaram ali naquela ponte, que é a ponte romana. Ficavam ali uns moinhos. Olhe, havia dois deste lado e lá abaixo o do Isaac, que tinha também um moinho ali.
PE: Mas lembra-se deles andarem a filmar aqui em Valezim…
A.M.: Era…era nestes sítios que eles viam que ficavam melhor para aparecer noutros lados. Aquilo era para ser vendido, claro. Iam ganhar dinheiro, senão não o andavam a gastar…
PE: Mas, eles filmaram aqui na casa onde hoje fica o clube?
A.M.: Ah. Pois. Filmaram toda a Casa Real! Casa Real! Até lá estão as armas reais. Havia lá uns homens…eram todos importantes.
PE.: É a Casa dos Castelo Branco (3) gente nobre.
A.M.: É. Andaram lá em frente e naqueles quintais e na casa.
PE: Porque é que chama a Casa Real?
A.M.: Porque havia cá homens…reais…gente nobre, claro. Agora não há cá ninguém como nesses tempos. Naqueles tempos havia aqui homens rijos e tesos.
A.M.: Deixe-me cá ver.
(E aponta para uma foto). (4) E diz:
Estes eram dos que cá andaram.
PE: Então lembra-se dos artistas cá andarem?
A.M.: Eles lá andavam nessas comédias com as raparigas…bem, com as mulheres, que elas eram uns mulherões. Eu não sei, mas agora já não há mulheres da estatura que aquelas tinham. As mulheres agora são mais pequeninas. (E arranca uma estrondosa gargalhada) Eram uns mulherões. Lembra-me muito bem. Eu já tinha idade. Já andava com os rebanhos por aí.
PE: Há uma fotografia que apresenta um casamento na Senhora da Saúde…
A.M.: Mas ainda não estava como agora…era terra em volta…não tinha escadaria nem muros.
PE: Convidaram pessoas daqui para serem figurantes, lembra-se?
A.M.: Sim…Sim…Então, eles traziam tanta gente. E carros! Transportavam tudo de carro. Não vinham a pé, pois já havia caminho. Eu lembro-me. Eu vi. Eu também era danado para ver. Entregava as ovelhas a um irmão meu e ia ver. Eu gostava de espreitar aquilo.
PE: Então lembra-se disso?
A.M.: Então não me lembra! Se lembro! Muito bem até. Aquilo era uma seita do “carago”, também lhe digo.
PE: O Sr. António tinha 14 anos. Portanto, uma idade que lhe permitiu registar o que se passou. Lembra-se se essa gente pernoitava em Valezim ou iam e vinham todos os dias?
A.M.: Iam e vinham.
P.E.: Para onde, não sabe?
A.M.: Era para Seia, porque o Zé Morgado (com carro de aluguer em Seia na época) é que os trazia e levava. O Zé Morgado tinha um carro…um carrão vermelho…aquilo andava! Eles andavam em dois carros, não era só um. E então não tinham lotação. Era os que cabiam.
P.E.: O Senhor António conheceu três homens na fotografia…
A.M.: Ah. Pois conheci. Eram os que estavam mais melhor de se conhecer. Naquele tempo Valezim era muito sossegado. Apareceu aqui aquela rapaziada…foi uma revolução, um desassossego… Pois foi. Todos gostavam de ver. Andaram a espreitar como eu. Eu já tinha 14 anos.
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